“Das coisas que não fazemos por causa dos outros fica-nos sempre uma ferida qualquer, disse-me ela um dia quando estávamos deitados no calmo mar de relva que banhava a nossa tarde. É sempre assim, diz-se aquilo que nos está obstruído na garganta quando se está num momento bom, que os bons momentos são o saca-rolhas da alma. Fiquei a saber que estávamos num desses momentos bons, mas não percebi o que é que ela tinha deixado de fazer por minha causa.
Fechei o livro que estava a ler para que a sua história não se misturasse com a minha realidade num grave acidente de palavras e ideias, fechei os olhos como se assim o impacto das suas palavras pudesse ser menor e, fechado em mim, perguntei: “O que é nunca fizeste por minha causa?”. E como o silêncio foi a resposta tornei a separar as pálpebras uma da outra, com a mesma força que se separa um filho duma mãe.
Tudo, disse ela enquanto uma gaivota me sobrevoava. Tudo? Tudo, confirmou ela. Tornei a fechar os olhos e só aí surgiu o arremesso que eu esperara antes. “Nunca fiz férias sozinha num país estrangeiro, e até deixei de usar o meu anel preferido porque tu não gostas dele”. Pensei em responder-lhe que aquilo não era tudo, que por mim podia fazer férias sozinha e usar o anel que eu não gostava à vontade, mas calei-me. Calei-me porque percebi o que ela me dizia como só pode perceber quem está deitado ao Sol e vê a vida com toda a disponibilidade que ela às vezes tem para nós. O problema não era eu, era um Amor demasiado cedo na vida, daqueles Amores que ao quarenta anos já nem sabemos se o chegaram a ser. Acho que fechei os olhos e, quando os tornei a abrir, ela já não estava.”
das coisas que não fazemos por causa dos outros
January 24, 2011 by Filipa Manha